15 janeiro 2018

UM “RIO” VISCOSO E POLUÍDO  

Deixem-me ganhar, que vai ver como as coisas são
Se Passos Coelho era um politico sem qualidades, este senhor é uma qualidade entre os políticos. E essa “qualidade” reside em raciocínios simples, sem dialéctica subjacente, sem margem para contraditório, até porque não assenta em ideais (nem ideias).
Importa salientar aqui algumas componentes da chamada lógica RR, que tem por base uma concepção muito concreta e definida, como deixar o Parlamento com lugares vazios, que “representem” os votos em branco, na opinião dele, uma “ideia disruptiva”, mas que o Partido deverá aceitar. Sabendo à partida que existe (ainda) algum incómodo popular com os deputados da Assembleia da República, que proposta melhor que esta se poderia congeminar? Mas há mais, como por exemplo, definir um tecto mínimo para as pensões, mas com componente variável associada ao PIB e ao desemprego, ou seja, que parte das pensões varie em função da economia, uma medida perfeitamente estúpida, opinião até partilhada por alguns militantes do seu Partido.

A viscosidade do pensamento político de RR é uma tremenda poluição na tradição social-democrata. Não será uma perversão, pelo menos no sentido estrito, uma vez que a social-democracia enferma há muito de uma absurdidade, que tem a ver essencialmente com a visão oclusiva da economia e da sua relação com a política. Mas é certamente uma depreciação qualitativa, na medida em que a afunila para o campo liberal e canaliza o mais rasteiro populismo. O Partido já terá perdido toda e qualquer matriz ideológica e funcionará apenas como uma máquina de poder e na medida directa de um certo (e sempre frágil) equilíbrio entre interesses corporativos. Ou então, na asserção de Max Weber sobre o Poder, uma vez escolhido o líder, este diz, “agora calem a boca e obedeçam-me”. E assim se esfuma a “liberdade de escolha” de que a Direita tanto gosta. E desta forma toma todo o sentido a frase que escolhemos, dita pelo próprio, uma exaltação grotesca da mais intolerável arrogância.

Uma voz tão insuspeita como a de José Pacheco Pereira, pouco antes da eleição, afirmava a propósito da política actual e dos intuitos da Direita, “...que o País está condenado a ter a mesma política durante décadas para que ela possa ter resultados, em particular dando prioridade ao pagamento da dívida, por meio de uma austeridade assente na contenção de salários e pensões, diminuição das funções do Estado, pobreza assistida e desregulação e baixa de impostos para as empresas, na esperança de que talvez isso possa significar algum incremento económico...”. 

RR não tem (como poderia ter?) um pensamento estruturado sobre o País. As suas teses configuram um populismo de matriz autoritária, com base num hipotético bloqueio do País, num cisma generalizado dos partidos, numa atitude moralista sistemática, numa visão censória da liberdade de imprensa.

A pretensa visão liberalizada de certos costumes, pode conferir-lhe uma pitada de modernidade. Só mesmo na aparência. Uma poluição permanente e um perigo constante, a tal viscosidade um “rio” que não flui, apenas escorrega.  O senhor goza, nos meios populares, de uma certa imagem de “rigor” e “competência”. Contudo, RR considera, por exemplo, que a justiça funcionava melhor antes do 25 de Abril, o que o aproxima de certa visão salazarista da sociedade. Ou não sabe, ou finge não saber nada, nem de política, nem de sociologia, nem muito menos do que é realmente, a sociedade civil.

Alguém disse(1), que RR poderia bem ser “o nosso Trump”. Na altura, daria um pouco para pensar. Hoje, com a mediatização e o estreitamento das fronteiras entre pensamentos com alguma convergência, dá para temer. 
Palavra tão desquerida no Brasil, como em Portugal.

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(1) “Rui Rio pode ser o nosso Trump”, artigo de Ana Sá Lopes, 13 Novembro 2016


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