23 janeiro 2021

 PLEASE, COME TALK TO ME




O mundo de cada um é os olhos que tem
José Saramago, Memorial do Convento, 274 (1982)

 

O meu é hoje, interdito e circunscrito, esperando melhores sortes. Aproveito o ensejo, meu Caro Amigo, “...o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta”. Sim, “...Aqui na terra 'tão jogando futebol/ Tem ...muito choro.../Uns dias chove, noutros dias bate sol”. Falta-nos, é verdade, samba e o rock'n'roll. Falta-nos também a morna, a salsa e o eterno tango, num corridinho de movimentos perpétuos, uma dança. A menina dança? 

Sinto falta de inteligência, sem ser artificial. E de sabedoria também. Recorro ao Eco, ao Saramago, ao Torga, sei lá a quantos mais. Calvino e Mann, talvez. Os Poetas, quiçá. Yeats e a sua sabedoria e rebeldia, “...A sabedoria é uma borboleta/Não uma sombria ave de rapina”. Ou esta, “Oh, há sabedoria, sim,/Naquilo que os sábios diziam;/Mas entra essa corpo por instantes/E deixa passar a tua cabeça/Até que eu tenha contado aos sábios/Onde acha o homem o seu consolo”.

Podes falar comigo?”, diz e canta o Peter, que tem sabedoria e inteligência, coisa que parece não abundar por aí. “…Come down, come talk to me/In the swirling curling storm of desire /Unuttered words hold fast/With reptile tongue, the lightning lashes/Towers built to last/Darkness creeps in like a thief

O medo do escuro, que falta me faz o contacto, a cena do abraço, que estreita o que há de melhor em nós. Rir, dançar e recusar o óbvio e o redundante. Talvez desobedecer. O sentido da obediência traduz-se, segundo Frédéric Gros, em uma “...relação que forças a agir segundo a vontade doe um outro, de modo que, quando ajo permaneço passivo”.

No dia em que nos “convidam” a alguma “passividade”, saibamos desobedecer, sejamos (ainda que um pouco) insubmissos, o dom da eterna liberdade de pensar, agir e intervir na comunidade. Manda a sanidade mental, a inteligência.

Eu quero apenas ser cruel naturalmente/E descobrir onde o mal nasce e destruir sua semente”.

O canto doloso dos profetas, ditos salvadores, enleado na teia “enternecedora” da obediência, não é para aqui chamado. Deixa-me rir, “Pois é, pois é/Há quem viva escondido a vida inteira/Domingo sabe de cor o que vai dizer/Segunda-feira”.

É já amanhã!

 

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Contribuições, ainda que involuntárias, de José Saramago, Chico Buarque de Holanda, Peter Gabriel, William Butler Yeats, Frédéric Gros, Ivan Lins e Jorge Palma.


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