29 abril 2025

A ORIGEM DO APAGÃO DA PROPRIEDADE DA REN E DO ESTADO 


Apagou-se o País, escondeu-se uma vez mais o PM, coisa habitual, uma vez que, cada dia que passa, menos tem para dizer (ou dar) aos cidadãos, a não ser a verborreia do costume e a propaganda de uma obra (não)feita. Na prática só deu a cara (ou a voz) ao princípio de uma noite, o dia havia sido angustiante à procura de uma explicação. As que soubemos, dadas pelo presidente da REN (empresa privada, responsável pela gestão do Sistema Eléctrico Nacional e do Sistema Nacional de Gás Natural em Portugal), foram feitas na perspectiva técnica e, quando tal acontece, a utilização de linguagem hermética ajuda a que tudo fique sem explicação. Mas acabou por dizer o mais importante, se querem mais segurança terão (obviamente) que pagar mais pelo serviço. Desde a privatização do sector energético, feito pela Direita unida nos tempos da troica e jamais posta em causa pelo Partido Socialista, tem sido um acumular de lucros para os privados, que nunca aceitariam por em causa uma distribuição de dividendos para prestar um melhor serviço ao consumidor. E já agora, para a Direita, é isso mesmo, o cidadão é um mero consumidor, que acaba sempre “consumido” pelo preço que paga pela energia. Só para memória futura, diga-se que o preço da energia em Portugal é um pouco inferior ao de Espanha, circunstância que facilmente se anula, comparando salários, o nível de vida nos dois países e ainda de outros preços de bens essenciais que, em Espanha, têm valores mais baixos. E, convém que se saiba que no nosso País o sector foi vendido ao desbarato e, em Espanha, o sector é detido pelo Estado em 20%.

 

A E-REDES, responsável pela distribuição de energia em Portugal, indicou que o apagão resultou de um problema na rede eléctrica europeia, especificamente na rede de muito alta tensão em Espanha. Este problema causou um "efeito dominó" que afectou Portugal devido à interconexão das redes ibéricas. A REN confirmou que o apagão teve origem fora de Portugal, com grandes oscilações na rede espanhola por volta das 11 horas e 32 minutos, quando Portugal importava cerca de um terço da sua energia de Espanha (!). As primeiras informações da REN apontavam para uma causa que nem sequer existe, nem nunca existiu, a saber, um "fenómeno atmosférico raro", conhecido como "vibração atmosférica induzida". A tal causa que seria  resultante de oscilações em linhas de alta tensão devido a variações de temperatura, citando a agência Reuters, que tinha obtido a informação junto da SIC. Embora a REN tenha depois desmentido (...), o certo é que confirmou que o apagão teve origem fora de Portugal, com grandes oscilações na rede espanhola.

 

Como este Governo não faz a mínima ideia como a coisa funciona (que o venham desmentir, se puderem...), o ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, admitiu a possibilidade de um ciberataque, dado o impacto em larga escala em vários países, citando Portugal, Espanha, França, Itália e outros. Logo a seguir viria a ser desmentido pelo PM, ancorado na posição do Centro Nacional de Cibersegurança, afinal não havia indícios concretos de um ataque cibernético. Saliente-se entretanto, que o Governo criou um grupo de trabalho para acompanhar a crise e decretou situação de crise energética, enfatizando (através do PM) que a origem do problema não estava em Portugal e pediu à população que “evitasse consumos desnecessários”, uma delícia de expressão para quem não dispunha de energia eléctrica. Este Governo, tal como todos os outros, não cuidou da manutenção e actualização de linhas de alta tensão, sub-estações e sistemas de controlo, necessários para melhorar a rede eléctrica, que enfrenta envelhecimento em algumas infraestruturas. Como se explica o facto de, neste momento, apenas existam 2 pontos de suporte utilizados para repor o fornecimento de energia em Portugal, a central de Castelo de Bode (hídrica, em Abrantes, Santarém) e a central de Tapada do Outeiro (termoeléctrica, em Gondomar, Porto)? 

 

A questão da “propriedade” coloca-se aqui em toda a sua amplitude. A soberania energética refere-se à capacidade de um país ou região garantir o fornecimento de energia de forma autónoma, segura e sustentável, reduzindo a dependência de fontes externas e mitigando vulnerabilidades em crises como o apagão que afectou o País. O tema é crítico também no contexto europeu, dado o elevado grau de interconexão das redes eléctricas e a dependência de importações de energia. A Europa opera uma rede eléctrica altamente interligada, gerida por organizações como a ENTSO-E (Rede Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão de Eletricidade). O apagão, possivelmente originado por uma falha na rede espanhola ou na interconexão franco-espanhola, demonstrou como uma avaria local pode desencadear um efeito dominó em vários países. O nosso País, que importava cerca de um terço da sua energia de Espanha no momento do incidente, foi particularmente afectado, evidenciando a vulnerabilidade de países com menor capacidade de produção própria. Uma eventual conjunção (acumulação) energética com fontes renováveis, como a solar e a eólica, embora essencial para a sustentabilidade, introduz desafios de intermitência, exige sistemas de armazenamento e fontes pilotáveis (como hidroeléctricas ou gás) que nem todos os países possuem em quantidade suficiente. A provável diversificação de fornecedores de energia, exige maior capacidade de armazenamento (baterias, hidrogénio verde) e interconexões robustas. Embora a interconexão tenha contribuído para a propagação do apagão, ela também é essencial para a soberania energética, permitindo que países com excedentes de energia (como a França, com a sua capacidade nuclear) apoiem outros em crise. No caso do nosso País, embora seja útil a interconexão com Espanha, impõe-se uma maior capacidade de produção própria para evitar impactos tão severos em falhas externas. Portugal deve diversificar a sua matriz energética, combinando renováveis com fontes pilotáveis (pequenas centrais modulares nucleares, por exemplo), reduzindo dessa forma a dependência de importações em momentos críticos.  Tal só é possível quando o sector energético passar para o controle público dos cidadãos. Uma vez que o País é líder em energias renováveis, com cerca de 60% da eletricidade proveniente de fontes como hidroeléctricas, eólicas e solares (valor em 2024), deverá fomentar um investimento público em projectos como, por exemplo, o do parque eólico offshore de Viana do Castelo. Só o controle público permitirá, por exemplo, um investimento sério em micro-redes e sistemas de armazenamento (baterias e bombagem hidroeléctrica), por forma a aumentar a autonomia em crises.

 

Colocar em causa a propriedade da REN é pois um desafio, uma exigência dos cidadãos. Como a RNE é privada e distribui dividendos aos accionistas superiores, jamais lhe passaria pela cabeça baixar os dividendos aos accionistas em nome de melhores sistemas de segurança e armazenamento. O seu objectivo é o lucro e por isso não serve aos cidadãos. O apagão sublinhou a importância de sistemas de controlo e monitorização autónomos, capazes de isolar falhas rapidamente e evitar colapsos em cascata. É imperioso investir em redes inteligentes (as designadas “smart grids”), que monitorizam a rede em tempo real e isolam avarias, expandir a bombagem hidroelétrica, com o aproveitamento de barragens existentes (como Alqueva), investir em baterias, criando um Plano Nacional de Armazenamento. E que seja gerido por comunidades de cidadãos, para permitir a operação autónoma de áreas críticas, como hospitais ou centros urbanos.

 

Não se sabe ainda, com precisão, como a aconteceu o apagão. Porventura já se saberá que não terá sido o Putin, com o alicate na mão a cortar a energia, como aparece nas redes sociais. O que se sabe é que o País foi informado pela Antena 1, a Rádio pública, enquanto o governo, cobarde e incompetente, não foi capaz de informar por canais de emergência o que se passava. O que se sabe é que a situação actual do sector energético capturado por privados, nem serve o Estado enquanto tal, nem serve seguramente os cidadãos. Portanto, é mesmo a propriedade que está em causa. 

Recordo o inspirador do título deste artigo quando dizia, que enquanto a energia for tratada como mercadoria, a sua gestão estará sujeita às contradições do capital, seja em mãos privadas ou estatais. Friedrich Engels quando escreveu a obra que dispenso de nomear, sabia bem que a terra sem amos não era apenas uma ideia ou uma aspiração. É, continua a ser, uma exigência.

  


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