20 maio 2025
A LÓGICA DA LÓGICA (com ou sem batata)
Ouço na rádio a opinião de quem tinha 15 anos no 25 de Abril de 1974. Trabalhador, diz ter começado nesse ano a trabalhar e a felicidade que teve à altura. Mas o mundo evoluiu, diz o opinador e, como se está a ver o mundo virou à direita e nós temos que evoluir também, por isso devemos deixar que os outros, agora para ele a maioria, governem, porque há que deixar os outros opinar pela razão de serem mais que nós. Entendo que fale em número de opiniões. Isto a propósito da questão colocada, aliás a única questão que hoje se coloca, sobre quem e como deve o País ser governado, para haver estabilidade. Nada mais se põe em causa, apenas e só, isto.
Coloca-se aqui uma outra questão, pelo menos uma. Será que tem alguma lógica esta lógica?
Do lado do Partido Socialista parece hoje vir uma luz que aponta naquela direcção. O putativo candidato Carneiro e o sempre presente Santos Silva apressam-se a dizer que o Partido deve viabilizar a solução de governo AD, mesmo sem saber qual é o Programa, o Orçamento e outras coisas, que obviamente não têm qualquer espécie de interesse. Para eles e sua douta opinião. Mas, o que é certo é que este “pequeno” (mas significativo) contributo destes dois destacados “socialistas” vem contribuir para a lógica acima mencionada. Sim, pois, é inevitável e confere com o dito popular, “se não os podes vencer, junta-te a eles”. Nada de filosofia política, nenhuma retórica seria capaz de aspirar a tão elevado grau de cátedra, como esta simplicidade popular, a designada “filosofia de táxi”. Também lhe poderíamos chamar de vão de escada, uma vez que o degrau acima não é acessível a qualquer um. Também está muito bem que a estabilidade deles seja o mais importante, afinal foram eles que ganharam. A nossa estabilidade não é para aqui chamada, tivemos a oportunidade que o sistema nos deu para ir depositar o voto em urna, o resto não interessa, nada a acrescentar. A lógica daqueles que ditam a lógica tem toda a lógica, votamos e acabou-se a conversa. Deixem o Luís trabalhar, reedição modernaça do salazarismo, cavaquista ou não.
O “pobre” opinador do fórum espelha o País que foi paulatinamente “transformado”, desde 25 de Novembro de 1975, por Mário Soares e por toda a Direita, antes bem escondida, hoje de mãos dados com a realidade de um presente de sombras, de incultura, de permissão, de submissão, de cancelamento, de medo. De alguma (se calhar, muita) estupidez, uma espécie de auto-negação, um limbo onde cabe tudo menos a razão. E o pensamento crítico, também (aliás, desculpa, de que é que falas?) Quando o outro dizia, em plena troika, “ai, aguenta, aguenta...”, tinha razão. Sabia do que falava, sabia bem o que vinha a seguir e que veio mesmo. O perigo que nos mostram pode estar desfocado. Mas quem quer ver? Quem quer arriscar? Quando o ogre da azia diz que acabou com o Partido de Cunhal, está bem ancorado, diz apenas o que a grande maioria de “sociais-democratas de pacote” não pode dizer, mas pensa exactamente igual. Para estes (e os demais) “democratas” foi mesmo o fim da Revolução. Já andavam a preparar a ofensiva há muito. Agora podem fazer o que querem, em termos institucionais. Seja com a ajuda do bando de meliantes que ocupa o Parlamento, seja com o beneplácito dos intrépidos “socialistas” que se perfilam para o beija-mão.
Possivelmente, uma excelente oportunidade para “acordar” e dar o salto. Dizer que o País não é só o Parlamento, não é apenas eleições e mais eleições, parece ser gritar no vazio, como fez a Liza Minnelli, no cinema. Deixar de sonhar (é o termo) com “coligações e arranjos” institucionais e ocupar ruas, escolas, fábricas, repartições públicas e outros sítios. Teatros e cinemas, jornais e revistas, rádios e televisões e departamentos das universidades. Ocupar tudo o que for ocupável, com ou sem acordo ortográfico. Com ou sem vergonha. Com ou sem medo.
Deixá-los sozinhos a discutir governos e acordos.
Subverter é preciso, morrer não é preciso.
Disse.
19 maio 2025
A ALIANÇA DOMINANTE
A partir de agora, uma aliança domina o espectro político português. A aliança da submissão e do medo é a mesma aliança que foi sendo construída por políticas erradas e contra os trabalhadores, de uma social-democracia decadente e incompetente. E, acima de tudo, enganosa e tendencialmente disposta a colaborar com a Direita, nas suas várias fachadas. É dela a responsabilidade primeira pela situação de desalento e desesperança, que atirou grande parte dos cidadãos para os braços da extrema-direita, fenómeno comum ao que se vai passando nesta Europa definitivamente enterrada no seu passado e incapaz de compreender os avanços civilizacionais, que sempre acabou por rejeitar. A aliança nada tem de democrática, sendo antes uma aliança de interesses contra os trabalhadores. Todavia, sempre no caminho do suicídio assistido, o PS, na qualidade de principal intérprete do neoliberalismo “moderno”, deu-lhe uma vez mais a mão, “aprovando” governo, orçamento e presidência da AR. Suicídio que ontem se viria a confirmar com a perda de 20 lugares no Parlamento.
A aparente simplicidade da análise contrasta logo com a complexidade inerente aos sistemas políticos. O filósofo italiano Mario Perniola e os franceses Guy Debord e Emmanuel Todd, deram importantes contributos para a compreensão da evolução dos fenómenos sociais, da passagem do século XX para o século actual. Se nos centramos em Perniola e na sua “Sensologia”, poderemos encontrar algumas explicações sobre uma transformação radical dos modos de sentir. E, concomitantemente, a ascensão de um novo tipo de Poder, com base no neo-fanatismo, neo-ceticismo, fundamentalismo e niilismo, como manifestações tendentes a reduzir a acção ao imediatismo vulgar e insensato. Quando lemos Debord, compreendemos o poder da sociedade do espectáculo. Ao estudar (e vale mesmo a pena fazê-lo) Todd, percebemos as nuances do declínio do ocidente e as análises do desastre do neoliberalismo.
O reforço da Direita e o crescimento do Chega, colocaram a esquerda institucional, representada pelo PS, Livre e BE numa posição fragilizada. Para os trabalhadores, os resultados sugerem um cenário de estagnação ou deterioração das condições laborais e sociais, enquanto a esquerda enfrenta desafios estruturais para se reposicionar como alternativa viável. Na verdade, a actuação da esquerda institucional, com as suas políticas keynesianas, constitui um recuo significativo de representação e uma perda de capacidade de influenciação notável, em termos de retórica parlamentar.
Mas o que conta, acima de tudo, a partir de hoje, é a constatação de uma situação de fragilidade cidadã. O custo de vida aumenta (e ...“o povo não aguenta”), os preços sobem e as rendas de casa também, a habitação é sempre preterida, o Serviço Nacional de Saúde degrada-se e não faltará muito para ser entregue aos privados (quem já detêm uma significativa fatia), a Escola Pública não tem investimento suficiente, bem como o Ensino Superior, onde professores e investigadores são desprezados e humilhados. Às reivindicações e exigências dos trabalhadores por um salário digno e um emprego estável, a Direita e o PS afirmam que é necessário um “crescimento da economia” para depois se falar no resto. A degradação dos serviços e dos espaços públicos é uma evidência e a tão querida revisão da Constituição, propósito assumido ou não-assumido de toda a Direita, tem agora privilégio de prioridade absoluta, como se ouviu ontem nas televisões.
Vem hoje a propósito (vem sempre...) a ilusão que foi e as consequências que teve a dita "geringonça", que tanta esperança provocou em toda a Esquerda. Só que a Esquerda nunca esteve no Poder e apenas caucionou a política errática do PS, não conseguindo sequer a reversão mais que necessária das leis laborais da troika, com que o PS concorda, nem a passagem para controle público da energia, da água e dos transportes. Para além do mais, o PS não é um partido que defenda os trabalhadores, antes pelo contrário, pese embora a linguagem e um discurso enganador e hipócrita. Apesar da devida consideração como partido de Esquerda, pela base que tem, o PS o primeiro responsável pela situação criada no País, de completa traição aos trabalhadores e às suas organizações de classe, um partido de interesses e de completa submissão ao capitalismo neoliberal. Vê-se o que fez e como acabou a sua maioria absoluta.
Existe um erro sistemático de análise de toda a Esquerda institucional, sem excepção. O Livre, um apêndice do PS, com fantasias armamentistas e com uma política europeia completamente alinhada com os desvarios da Comissão Europeia. O BE com um alinhamento cúmplice ao governo nazi ucraniano, comum a toda a Direita nacional e europeia e com uma posição cada vez mais sectária, patente nas palavras e nos actos de cancelamento de quem se atreve a discordar. Apenas a CDU procurou fazer um "esforço de adaptação", conseguindo fazer passar um discurso adequado de recusa firme de compromisso e até de uma certa coragem, por ter denunciado a lavagem ao cérebro sobre a Ucrânia, sobre a dita "união europeia" e sobre a política desastrosa e cobarde desta Europa decadente.
Todavia, não bastam pequenos “desvios”, ou pequenos avanços para que a luta anticapitalista dos trabalhadores tenha significado prático, na sua condição de explorados. Torna-se cada vez mais necessário a organização e um sentido de verdadeira luta de classe. A Esquerda (que designo) institucional apresenta pouco estímulo para a luta anticapitalista, anticolonial e antifascista que é necessária e urgente. Recorda-se, por exemplo, esta realidade assustadora: o Alentejo da Reforma Agrária é hoje o Alentejo do trabalho escravo e um cemitério de painéis solares. Uma outra realidade indesmentível é a que resulta da constatação evidente: a "democracia" que temos é a democracia burguesa da dominação e da subordinação, fundamentada na propaganda e na submissão. As eleições são devidamente “programadas” e “desenhadas” pelas máquinas de propaganda do centrão partidário, hoje com a exaltação de uma extrema-direita que eles toleraram, aceitaram e institucionalizaram. Por uma poderosa e eficiente máquina demolidora de sondagens, que “ajudam” a formar opinião, pela “estabilidade”, pela “governabilidade” e pelo “interesse do país”. E por um exército de comentadores, na sua imensa maioria, tendenciosos, ignorantes e acéfalos. Roubando a ideia ao insuspeitoAdelino Maltês, é a “república dos comentadores”, de que ele é aliás um bom exemplo.
Não é de esperar por uniões sem sentido à Esquerda. União sim, mas na base, nos trabalhadores, nas lutas conjuntas, na ocupação das ruas, das casas, das empresas. Nas lutas pela habitação. Na luta pela Escola Pública.. Na luta contra o Estado terrorista de Israel. Nas lutas contra a guerra e pelo desarmamento. Na luta contra a NATO, uma organização assassina e terrorista, responsável por todos os conflitos em todo o mundo. Muita luta a travar e tal só se consegue numa perspectiva de classe: rejeitar o poder do Capital e da classe possidente. Criar e amplificar a organização dos trabalhadores, dar sentido revolucionário às greves e a todas as formas de luta para que os trabalhadores avancem para o controle da economia, no sentido da sua emancipação.
Não são palavras de retórica, antes um possível apoio à acção, já que resistir é necessário, mas não é suficiente.